Texto: Matheus Casimiro
Nos últimos três anos, na cidade de São Paulo, houve um aumento de solicitações para o enquadramento de praças públicas como parques públicos. Essas demandas foram requeridas pelas mais diversas origens, de entidades civis à Câmara Municipal. Houve casos de áreas verdes emblemáticas, como a Praça da Sé ou a Roosevelt, que não foram adiante, e casos que foram levados à cabo, como o novo Parque Tatuapé e a Praça do Pôr do Sol.
A primeira experiência tida como bem sucedida foi a praça do antigo Lions Clube Penha, com 19.128 m², que se tornou o “Parque Tatuapé” pelo Decreto de Nº 55.860, de 20 de janeiro de 2015. Essa área se localiza próxima ao parque Piqueri, na subprefeitura da Mooca, com topografia relativamente plana e esparsos exemplares arbóreos e arbustivos. Esse local estava praticamente abandonado com pouca apropriação pública.
Parque do Pôr do Sol. Fotos: Matheus Casimiro, 22/09/2014.
Ambos os casos apresentam conformação urbana semelhante, pois são áreas de pequena dimensão, sem presença de elementos naturais de relevância e com equipamentos já com uso público estabelecido. A questão que se coloca é: o que motivou a demanda de transformação dessas áreas em parques públicos?
As praças e os parques são diferentes categorias de áreas dentro do sistema de espaços livres da cidade. Apesar de serem áreas públicas que apresentam algumas semelhanças entre si, têm discrepantes conceituações, feições e destinações. Não são diferentes apenas por sua origem e história mas por oferecerem distintas formas de apropriação. O contraste entre elas vai além de características como dimensão e a presença ou não de cercamento. São morfologias urbanas com atributos distintos, para não dizer antagônicos. O entendimento dessas diferenças e semelhanças parece ser um dos primeiros estágios necessários para elucidar a questão.
As praças são espaços integrados à circulação do espaço em que se inserem. Inicialmente criadas para dar suporte a atividades culturais, de comércio, e a discursos políticos, hoje são áreas livres para diferentes usos de lazer e como extensão das ruas e calçadas. Podem ser áreas arborizadas ou secas, mas não necessariamente precisam compor uma função ambiental para o município, embora isto seja desejável. O parque, por sua vez, é a evolução do jardim na cidade contemporânea, sendo o artefato da natureza no ambiente citadino. Por esse motivo, tem predominância de recursos naturais, e propicia tanto o lazer ativo – como esportes e ciclovias – como atividades passivas – estares contemplativos e mirantes. Na contemporaneidade, parques são compostos a partir de uma função ecológica, tornado-se prioritária sua contribuição com a drenagem urbana (piso permeável), preservação da rede hídrica, manutenção do micro-clima e diminuição das ilhas de calor (presença de árvores e espécies arbustivas).
A definição de parque ou praça aponta para distintas formas de planejar, implantar e gerir cada área. A confusão conceitual pode atrapalhar seu provimento e manutenção, podendo gerar espaços públicos mais desfuncionais, desarticulados e degradados na cidade. Pela imprecisão e falta de clareza na definição de cada um desses espaços há demandas e solicitações de criação de parques e parques, por diferentes origens, sem critérios específicos que norteiem as motivações de criação de cada um deles.
É necessário ponderar essas diferenças para subsidiar melhores condições quanto a qualidade de uso público. A demanda para a transformação dessas áreas provavelmente teve origem na expectativa de melhorias relacionadas a sua gestão, pois, entre praças e parques municipais há formas de gestão distintas.
As praças de São Paulo são áreas livres municipais de uso comum sob responsabilidade, em geral, embora não todas o sejam, de gestão e manutenção das Subprefeituras. Ao contrário dos parques públicos urbanos, as praças não possuem horário de funcionamento e, portanto, não possuem nenhum tipo de fechamento, cercamento ou cerceamento ao acesso público. As praças de São Paulo se caracterizam como espaços com programa de usos, em geral, mais abertos que o dos parques municipais. São áreas voltadas ao encontro e à vivência pública em qualquer horário do dia ou da noite, de acesso irrestrito. Enquanto espaços livres e, portanto, não construídos, a grande maioria das praças não possui sistema de instalações hidráulicas, sanitários ou demais edificações.
Por outro lado, os parques municipais paulistanos estão sob responsabilidade da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente. Administrados por um Conselho Gestor com poder deliberativo, os parques possuem horários de funcionamento e regulamentos de uso definidos em função do programa de atividades previstas. Com exceção dos parques lineares (embora alguns também o sejam), os parques são cercados e possuem horários para abertura e para fechamento. Os parques municipais de São Paulo possuem contratos para segurança, em geral realizada por equipes terceirizadas, e são dotados de equipamentos como banheiros e bebedouros.
As diferenças quanto a manutenção e segurança desses espaços podem ser as principais motivadoras para a conversão de praças e parques. Os solicitantes entenderem que, com previsão legal de parques, estas áreas estariam municiadas de melhores condições de gestão. Muitos representantes das comunidades são da opinião que os parques municipais têm gestão mais eficiente que as praças por terem limitação de acesso, contratos de manejo e segurança exclusivos e a contratação um administrador com criação de um respectivo conselho gestor.
Com isso, faz-se necessário a retomada da discussão acerca da gestão das praças. Recentemente foi instaurada a Lei de Nº 16.212, de 10 de junho de 2015, que “Dispõe sobre a gestão participativa das praças do município de São Paulo“. Com ela, abre-se a possibilidade de haver uma inflexão sobre a mudança da política de criação e gestão dos espaços verdes, criando uma coerência quanto às características e aos usos condizentes com cada um dos espaços do Sistema de Áreas Verdes da cidade. Esse é um bom início para a discussão de uma carente reflexão acerca das praças públicas municipais.
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Referências bibliográficas:
CHADWICK, George F. The park and the town . Michigan, ,Architectural Press, 1966.
BARTALINI, Vladimir. Parques Públicos Municipais de São Paulo – A ação da municipalidade no provimento de áreas verdes de recreação. Tese de doutorado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1999.
KLIASS, Rosa G. A. A evolução dos Parques Urbanos na Cidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado. Orientador: Lucio Grinover. São Paulo: FAUUSP, 1989.
SALDANHA, Nelson. O Jardim e a Praça . São Paulo, Edusp, 1986.
SEGAWA, Hugo. Ao amor do Público: Jardins no Brasil. São Paulo, Studio Nobel / FAPESP, 1996.
SUN, Alex. Projeto da Praça: Convívio e Exclusão no Espaço Público. 2ª Edição, Editora Senac, São Paulo, 2011.
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Matheus Casimiro é arquiteto e urbanista e foi diretor de projetos no Depave. Entregou em 2017, sua dissertação de mestrado sobre parques em São Paulo.